AmizadeTodos

Relacionamentos que curam

Seres humanos são capazes de passar pelos piores momentos de suas vidas sem que as pessoas que as cercam se deem conta, a menos aquelas mais sensíveis. Isso fala de um aspecto dual sobre nós: Primeiro da nossa capacidade de fazer transparecer que está tudo bem sempre, segundo da nossa capacidade de não nos ater a questões mais intrínsecas das pessoas que nos cercam.

Sobre a nossa capacidade de mascarar nossa substância, podemos dizer que de certa forma isso se dá porque vivemos em um mundo despreparado para lidar com a verdade. Invariavelmente queremos lidar com os espectros que fazemos das pessoas e não com elas mesmas. Assim, somos tacitamente treinados a mascarar a nós mesmos quando o que sentimos ou o que somos fogem minimamente do estereótipo socialmente construído como aceitável. Aí que vamos percebendo que podemos chorar, mas que gente que chora demais está doente, que podemos sorrir; mas que gente que está o tempo todo sorrindo na verdade esconde coisas de si mesma para parecer legal, que podemos ser introspectivos; mas que gente reservada demais tende a ser sociopata, etc., etc.

Já sobre a capacidade de não enxergar o outro para além de sua aparência, no geral, podemos dizer que quase nunca nossa preocupação é de ser boa companhia para o outro, de ser o instrumente de cura e transformação do outro. Frequentemente, queremos só boa companhia, quando a pessoa deixa de ser aquilo que esperamos dela nos afastamos. Queremos socorro para nossas dores, mas gente que demanda muito de nossos esforços nos cansam. Queremos estar perto do outro pelo que ele é potencialmente capaz de nos proporcionar, suas verdades não interessam muito para nós, e, muitas vezes nos chocam. Queremos ter abrigo, mas não nos damos a tarefa de ser abrigo de ninguém. Muitas vezes o fato de não nos atermos as questões mais intrínsecas do ser dos que nos cercam só revela nosso egoísmo.

Viver essa dialética e saber transitar entre verdades e mascaras, entre o que realmente somos e sentimos daquilo que o outro espera de nós, do que esperamos dos outros e o que eles realmente são é imprescindível. Não serão muitas as pessoas com quem poderemos desnudar a alma, mas poder desnudá-la é salutar. Permitir que alguém volta e meia habite nosso universo interno, faz de nós pessoas menos solitárias. Jamais podemos fundamentar nossa experiência de vida naquilo que as pessoas esperam de nós, mas saber que somos dignos da atenção sincera de alguém é extremamente terapêutico.

Nesse mundo de mascaras, de verdades ocultas, precisamos cultivar amizades que nos despojam de nossa solidão interna, que arranquem de nós a verdade para o nosso bem. Em contrapartida, para o bem do outro, precisamos, nós mesmos, ser aqueles que enxergam para além de como as pessoas aparentam ser/estar. Precisamos viver relacionamentos que curam.

 

Por Edson Ciso

One thought on “Relacionamentos que curam

  • Emanuela Lemos Mendonça

    Muito Bom ! E muito verídico.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.